“A maior parte dos ‘não-cristãos’ da sociedade hoje é formada por gente que em algum momento frequentou igreja e serviu a Jesus”, afirma David Kinnaman, presidente do instituto de pesquisas Barna Group, dos EUA.
Momentos importantes fazem parte da jornada de todo jovem quando ingressa na idade adulta: a chegada à universidade, o começo da carreira, a compra do primeiro apartamento, o casamento e – no caso de muitos cristãos hoje em dia – o distanciamento da fé. Para cada vez mais rapazes e moças na faixa entre os 20 e os 30 anos, tudo o que se aprendeu ao longo de anos e anos de escola dominical infantil, atividades de grupos de adolescentes ou reuniões de oração da mocidade simplesmente parece perder o sentido diante da realidade da vida autônoma e suas múltiplas possibilidades. Motivos para tal esfriamento não faltam: o sentimento de liberdade pessoal, o convite aos prazeres antes proibidos, a ênfase exagerada na vida profissional e no próprio sucesso... Longe da tutela dos pais crentes, jovens que um dia eram vistos na igreja como promissores nas mãos de Deus vão, pouco a pouco, assumindo um estilo de vida mundano. E logo já não são nem um pouco diferentes de seus amigos que jamais estiveram num culto.
Não há, dizem, uma razão específica. O que se alega é um certo cansaço da vida religiosa ou a impressão de que a história do Evangelho, afinal de contas, não é tão verdadeira assim. Todo crente conhece pessoas nesta situação. E a quantidade de gente que deixa a igreja para trás tem aumentado – só no Brasil, segundo o último Censo, já há cerca de 14% de evangélicos confessos sem ligação formal com uma igreja. A tendência é mais aguda entre os jovens adultos, e não apenas por aqui. Na última edição da Pesquisa Americana de Identificação Religiosa, um fato chamou a atenção. A porcentagem de americanos que responderam “sem religião” praticamente dobrou nas últimas duas décadas, crescendo de 8,1% nos anos 90 para 15% em 2008. O estudo também observou que assombrosos 73% deles vêm de famílias religiosas – e quase dois terços foram descritos no estudo como “ex-convertidos”.
O resultado de outra pesquisa também foi expressivo. Em maio de 2009, no Fórum de Religião e Vida Pública, os cientistas políticos Robert Putnam e David Campbell apresentaram uma pesquisa descrevendo o fato de que jovens estão abandonando a religião em “ritmo alarmante”, cinco a seis vezes mais rapidamente do que anteriormente registrado. Fato é que a sociologia já descobriu que a migração para longe da fé cristã, por parte de jovens antes engajados na vida eclesiástica, é um fenômeno crescente. E uma resposta para este fato requer primeiramente uma análise de tal êxodo e o questionamento honesto das razões pelas quais ocorre.
ABANDONO
O presidente do Barna Group, entidade cristã de pesquisas sediada na Califórnia (EUA), David Kinnaman, revela que cerca de 65% de todos os jovens de seu país afirmam ter feito um compromisso com Jesus Cristo em algum momento de suas vidas. Kinnaman entrevistou milhares de jovens para a elaboração de seu livro UnChristian. Segundo ele, a maior parte dos ‘não-cristãos’ da sociedade hoje é formada por gente que em algum momento freqüentou igreja e serviu a Jesus. “Em outras palavras, eles são nossos antigos amigos, adoradores de outrora”, acentua.
Grande parte dos pesquisadores avalia que este dramático número de abandonos espirituais por gente na faixa dos vinte e poucos anos constitui, na verdade, uma etapa no curso da vida de quem chegou à conclusão que vale mais a pena dormir até tarde ou fazer outros tipos de programa aos domingos. O sociólogo Bradley Wright salienta que a tendência da juventude ao abandono da fé é uma característica do cristianismo contemporâneo. A questão do comprometimento moral parece estar na base do processo. Donos do próprio nariz, não poucos jovens de origem evangélica começa a mudar de hábitos, sendo mais abertos a novas experiências e menos refratários àquilo que, durante anos e anos, ouviram ser pecado.
Quando o rapaz ou a moça recém-saída da casa dos pais vai morar com o companheiro, ou encontra na faculdade amigos que fazem convites para noitadas, os conflitos entre a crença e o comportamento pessoal parecem ficar inconciliáveis. Cansados de lidar com o que lhes resta de uma consciência de culpa e relutantes em abandonar aquilo que têm como conquistas pessoais, eles preferem abandonar o compromisso cristão. Para isso, podem usar como argumentos o ceticismo intelectual ou a decepção com a igreja, mas estes são apenas motivos superficiais para esconder a razão principal. A verdade é que a base de crenças acaba sendo adaptada para corresponder às ações.
“Em alguns casos, o processo é gerado por uma decepção com a igreja, levando ao esfriamento”, aponta o pastor Douglas Queiroz, da Igreja Plena de Icaraí, em Niterói (RJ). Há dez anos, ele dedica seu ministério à juventude, aconselhando não apenas novos convertidos como gente que nasceu na igreja mas em algum momento abandonou a fé. “Eles não se identificam mais com a igreja da qual faziam parte”. Para Douglas, esse fenômeno pode ser atribuído, em parte, ao momento em que o jovem vive. Isso se dá pelo distanciamento que existe entre a igreja e a sociedade. O jovem de hoje, detentor de muita informação, não aceita esta relação ambígua, não suporta mais viver numa subcultura ou dentro de um gueto com postura, linguajar e pensamentos distantes do cotidiano”, comenta. Mas existem também, diz o pastor, situações em que não se trata exatamente de um esfriamento espiritual. “A pessoa simplesmente descobre que sua fé não existe, ou seja, nunca houve uma experiência individual. O jovem é cristão simplesmente porque nasceu num lar de crentes e cresceu indo à igreja.”
“PRATOS ATRATIVOS”
A diversidade de situações torna difícil resumir tudo no velho chavão da “rebeldia juvenil”. Aos 30 anos de idade, o ministro de adoração da igreja Casa da Bênção em Jardim Paulista (PE), Juliandreson Pimentel, conhece de perto esta realidade. Funcionário público e estudante de Direito, ele encontra tempo na agenda para trabalhar com jovens e acha que o trabalho tímido de formação nas igrejas está na raiz do esfriamento espiritual dos crentes nesta fase da vida. “Com uma conexão maior fora do ambiente eclesiástico, muitos jovens acabam cuidando mais de si mesmos, negligenciando o serviço de Deus”, comenta. Ao mesmo tempo, existem fatores comuns. Muitos afastamentos foram precipitados, como diz Douglas, por aquilo que aconteceu dentro da igreja, em oposição ao que acontece fora dela. Até mesmo os que adotaram um estilo de vida materialista ou uma forma de espiritualidade vaga demais para ser definida como cristã têm em comum, quase sempre, uma vivência de cristianismo superficial que efetivamente os afastou de uma fé autêntica.
O sociólogo Christian Smith e seus colegas pesquisadores examinaram a vida espiritual dos adolescentes americanos e perceberam que a maior parte deles pratica uma religião que pode ser descrita como “deísmo moralista e terapêutico”, que deixa Deus como o distante Criador que abençoa pessoas que são “boas e justas”. Assim, o objetivo central dessa divindade é ajudar os crentes a se tornarem felizes e a sentirem-se bem consigo mesmos. E como esses adolescentes aprenderam sobre esta forma de fé? Naturalmente, porque ela é ensinada de maneira explícita ou implícita em todas as fases da vida nas igrejas. Ela está no ar respirado pelos frequentadores de igreja, que buscam cultos amigáveis e pequenos grupos de pouco compromisso. Quando esta visão ingênua e utilitarista de Deus se une à realidade, não é surpreendente ver tanta gente saindo porta afora das igrejas.
Criado na igreja, o jovem Gabriel Santana Mariano, de São Paulo, fez esse percurso. Ele conta que o convívio com pessoas “do mundo”, como dizem os evangélicos, acabou colaborando para seu distanciamento da fé. “Os pratos que nos oferecem são bem atrativos”, diz. Os cultos saíram de sua rotina e hoje ele frequenta academias, festas e baladas. A mãe, diz Gabriel, continua orando por ele. “Se não fosse por isso, não sei como poderia estar hoje”, reconhece. Apesar de tudo, ele confessa que acredita e confia em Deus. “Sinto que sinto que não faço parte desse mundo”, revela. “Algo dentro de mim sente um grande vazio e, mesmo que eu tente me enganar, sei que isso é falta de uma comunhão com Deus.”
Os crentes, geralmente, adotam uma dentre duas reações igualmente prejudiciais em relação a alguém que abandonou a fé: tornam-se agressivos, com um discurso de julgamento, ou preferem não se envolver na questão. No encontro anual da Associação Americana de Sociologia, em 2008, um grupo de estudiosos da Universidade de Connecticut e da Universidade de Oregon relataram que “o maior papel dos cristãos no processo de abandono de fé foi amplificar dúvidas previamente existentes”. Os ex-cristãos relataram “dividir suas dúvidas com amigos ou familiares cristãos e receberem respostas triviais e superficiais”. Além de não possuir recursos apropriados para trabalhar com esse grupo, as igrejas, no geral, não sabem lidar bem com aqueles que estão em conflito com sua própria fé.
A crise de pessoas abandonando a fé também passa por outros níveis. Primeiramente, jovens adultos estão abandonando a religião em ritmo mais acelerado e em maior número do que jovens adultos das gerações anteriores, conforme estudos feitos nos EUA e ainda incipientes por aqui. Em segundo lugar, o argumento sobre fases da vida, por si só, não se sustenta. O jovem adulto de hoje não é o jovem adulto de antigamente; o de hoje permanece nesta fase por mais tempo. Casamento, carreira e filhos – a força sociológica primária que leva os adultos de volta ao compromisso religioso – são elementos hoje postergados para os vinte e poucos ou trinta anos.
CAMINHO DE AMOR
Para Onésimo Pinto, pastor de jovens da Igreja Evangélica Bíblica Betel, de Recife (PE), os pais têm uma parcela de culpa no afastamento ou esfriamento da fé dos filhos: “Muitos educam os filhos de uma maneira, mas, na prática, vivem de outra. Então, os filhos aprendem dos pais a tapear e maquiar o cristianismo. O distanciamento acontece no momento em que eles têm acesso caminhos antes inacessíveis”.
Segundo ele, esse hiato entre fé e comportamento acaba desestimulando os jovens, que não querem repetir o erro e preferem abrir mão da vida cristã. “Essa é a experiência que identificamos em muitas famílias”, atesta o conselheiro. No entanto, Onésimo também aponta a culpa da Igreja: “Infelizmente, falta um ensino doutrinário que fundamente a fé dos jovens. Muitas igrejas são mais clubes sociais, onde as pessoas vão para se encontrar e agendar programas, enquanto o estudo da Palavra praticamente não existe.”
Não há nada de errado com pizzas e videogames, nem com celebrações sensíveis ou pequenos grupos de pouco comprometimento que apresentam pessoas à fé cristã. Mas isto não pode substituir o discipulado sério e o ensino. Um lugar para começar é repensando como a Igreja e os evangélicos têm ministrado aos jovens. A tentação de se afastar da fé não é novidade. O apóstolo Paulo exortou a igreja em Éfeso sobre a necessidade de amadurecimento de cada cristão: “o propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para o outro pelas ondas, nem jogados para lá e para cá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro” (Efésios 4.14, segundo a Nova Versão Internacional).
Apesar dessa lacuna, grande parte dos pesquisadores insiste que este dramático número de abandonos espirituais durante os vinte e poucos anos não é uma situação alarmante. Em seu recente livro “Cristãos são hipócritas cheios de ódio...E outras mentiras que você já ouviu (inédito em português), o sociólogo Bradley Wright argumenta que estes números sobre a tendência da juventude ao abandono da fé é “mais um mito” do cristianismo contemporâneo. Ele lembra que os integrantes de cada nova geração são sempre observados com suspeita pelos mais velhos. Ao falar sobre a própria juventude, o autor se descreve como “um moço de cabelos compridos e camisetas diferentes” e destaca que os adultos daquela geração não tinham muita fé no futuro quando olhavam para adolescentes como ele.
Wright acentua que jovens adultos costumam abandonar a religião organizada quando deixam a casa dos pais, mas retornam quando formam sua própria família. Rodney Stark também pede cautela. O sociólogo da Universidade Baylor diz que dados de suas pesquisas reafirmam resultados de outros estudos, mas que isso não é motivo para alarde. “Jovens sempre foram minoria ao frequentar igrejas, em relação os mais velhos”, ele escreve. Stark é confiante ao dizer que os jovens retornarão. “Um pouco mais à frente, quando tiverem se casado e, principalmente, após a chegada dos filhos, eles se tornam mais frequentes na igreja. Isso acontece em todas as gerações”.
Em última instância, retornar ao aprisco após uma ausência de dois ou três anos é uma coisa – depois de uma década, contudo, é mais improvável. Além disso, há que se levar em conta que uma mudança tem ocorrido na cultura de maneira ampla. As gerações anteriores foram rebeldes por um momento, mas ainda assim habitavam uma cultura predominantemente judaico-cristã. Os jovens afastados de hoje encontram fora da igreja um caldo cultural que não favorece muito o retorno ao sagrado. Por isso, a necessidade é do lento, porém frutífero, trabalho de construir relacionamentos com aqueles que abandonaram a fé. Isto irá requerer de cada parte envolvida – pais e filhos, Igreja, conselheiros, educadores cristãos – o esforço de olhar além do ceticismo e enxergar a necessidade espiritual de cada um. Uma vez que cada queixa, história e demanda for ouvida e compreendida, certamente serão construídas pontes de confiança e o caminho de volta para casa será iluminada com amor.
Fonte: Cristianismo Hoje
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