“Paradoxo, ó Israel, este é teu
santo sobrenome”. Esse lamento deveria, mas não foi, ter sido incluído no
Tehilim, livro de emocionantes salmos escrito três mil anos atrás pelo terceiro
rei do povo de Israel, David (embora diga-se que também outros derramaram seus
versos por ali). Ele serviria, sem dúvida, como um belo slogan a ser estampado
em pôsteres afixados nas repartições públicas israelenses.
Como em todo órgão público que
se preze, nos daqui há as maquininhas de senha manual, às vezes de várias cores,
indicando diferentes tipo de serviço prestados ali. Existe o sensor eletrônico,
muitas vezes com voz, para que os desavisados não percam a chamada. Mas ninguém
senta para esperar. As cadeiras, isso também sempre há, estão vazias, enquanto
todo mundo perambula pelo saguão, falante e ligeiro. Procuram, isso já
constatei, a possibilidade de darem uma “perguntadinha básica” ao atendente sem
ter que esperar sua vez. Todos sabem que os israelenses que estão do outro lado
do guichê fazendo seu serviço não vão, de jeito e maneira, dar canja. Mesmo
assim, insistem. Depois da óbvia negativa, sem nenhuma mágoa voltam a entabular
conversas animadas entre si, não ouvem a chamada da senha, quando percebem vão
discutir com o atendente, o circo é armado. É um padrão por aqui.
Desavisados feito eu, que
lentamente vão desbravando as repartições públicas nacionais, ficam de orelha e
cabelo em pé. Afinal, estou fazendo errado em ficar sentada esperando a minha
vez? Ainda não sei a resposta.
Minha primeira experiência em
uma repartição pública local foi na madrugada em que cheguei a Israel. Eu e
outros “olim chadashim” – os novos imigrantes dessa Terra Santa – fomos
desastradamente resgatados, às duas da manhã, por uma funcionária sonolenta e
visivelmente mal-humorada. Dois atendentes rapidamente nos ajudaram a preencher
formulários e, uma hora depois, saímos de lá com nossas carteiras de identidade
nas mãos. Depois disso, enfrentei a Secretaria da Educação, com outras mães
ansiosas que não entendiam uma palavra de hebraico e precisavam descobrir como
matricular seus filhos nas escolas (que, em sua arrasadora maioria, são
públicas). O atendimento foi muito bom, mas antes tivemos que descobrir em que
sala estava a secretária responsável pelo assunto – ainda não entendi como pode
ser que os funcionários não tenham uma mesa fixa ali.
Todo mundo sabe onde você mora,
porque há um papelzinho branco que deve ficar sempre junto de sua carteira de
identidade. Você precisa providenciar esse negócio com urgência – sem ele, você
praticamente não existe. Para isso você vai até o Ministério do Interior, uma
atendente rapidamente o imprime e entrega, mediante a apresentação de seu
contrato de locação ou comprovação de propriedade. Fui até lá preparada para
enfrentar horas de fila e saí, sorridente, em menos de cinco minutos, mesmo que
um tanto magoada com a grossura da jovem senhora que me atendeu. Meses depois,
quando fui no mesmo lugar providenciar meu passaporte, a história foi outra:
uma fila descomunal, duas horas de espera, mas, de novo, cinco minutos sentada
na frente da atendente. Uma semana depois, estava com o passaporte na mão.
Para transferir minha carteira
de motorista, tive que ir até um shopping center decadente no subúrbio de
Netanya. Não teria encontrado se não tivesse ido para lá de carona com uma
amiga que já manjava se deslocar por aqui. Havia uma fila de umas 50 pessoas e
passei duas eternas horas sentada ali, esperando. Mas então, em cinco minutos,
entabulei uma conversa sem pé nem cabeça com uma atendente que, com um ar bastante
sinistro, carimbou um monte de folhas e me mandou procurar uma autoescola.
E ultimamente, chegada a hora
de entender como funcionam taxas e impostos daqueles que suam para ganhar seu
dinheirinho, foi a vez de conversar com um contador. Tamanha a burocracia, as
exceções, as regras e os que tais que o pobre nem se deu ao trabalho de
explicar. Apenas me recomendou voltar a falar com ele quando tivesse uma renda
razoável entrando na minha pobre conta bancária. Antes disso, me mandou ir ao
Mas Hachnassa (Autoridade de Imposto de Renda), outro órgão público, para que
eu pudesse emitir um documento que me possibilitará receber dinheiro de
pequenos serviços que presto por daqui. Daí, de novo, fui com a expectativa de
trombar com uma fila monstruosa, uma atendente com perguntas incompreensíveis e
aquele bando de gente vagando pelo saguão. Não encontrei nada disso, com
exceção, óbvia, dos perambulantes usuais. Na minha hora, sentei-me frente uma
linda e gripada etíope, que em cinco minutos imprimiu os documentos que
precisava e me deu a feliz notícia que tenho ainda um bom limite pela frente
para faturar até ter que começar a pagar impostos feito gente grande.
E esse é um dos megaparadoxos
daqui: tanta bagunça e tanta eficiência ao mesmo tempo. Com todas as informações
da sua pessoa na tela do computador, a coisa fica muito ágil, e a falta de
papas na língua do israelense não deixa que o atendimento se prolongue. Amo
isso, amo, amo. Ah, e quanto ao papo dos perambulantes com pulga no traseiro,
descoberta importante, agora que entendo o que eles falam: não tem nada a ver
com o que estavam fazendo ali. Temperatura, Irã, o trânsito e o preço do
supermercado estavam entre os principais temas, assuntos tão envolventes e
inadiáveis que impreterivelmente os fazem perder a chamada da senha. O que não
parece ser para eles de todo mal – afinal, conquistam assim, e agora sem
paradoxo algum, uma oportunidade que para um israelense é imperdível: a de,
novamente, armar o maior fuzuê.
Miriam Sanger
Fonte: Conexão Israel
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