O
"Turismo" reuniu relatos de personalidades que enfrentaram novas
experiências em viagens.
O humorista
Helio de La Peña, o modelo Paulo Zulu, o piloto Rubens Barrichello, o paratleta
Fernando Fernandes e o ator Paulo Vilhena contam histórias de quando partiram
para destinos diferentes.
Confira
abaixo os relatos.
Usar
tala me deu status de atleta em estação de esqui
Digamos que
a neve não é o meu elemento. Fui criado na Vila da Penha, subúrbio carioca,
onde só neva quando passa "A Era do Gelo" no cinema. A família
insistiu...As crianças sonhavam fazer bonecos de neve.
Ao chegar
ao Valle Nevado, no Chile, me deparei com pessoas sorridentes que dizem adorar
o frio. Mas estão camufladas por camadas e camadas de agasalhos, entre capotes,
meias, gorros, casacos e aquela peça de nome ridículo, a ceroula. Por que não
modernizam o nome desse traje? A ideia é: ou você sente frio ou paga mico. Quando
você pede ceroula numa loja, todo mundo em volta solta um risinho irritante!
O primeiro
desafio é calçar as botas e andar. Para experimentar a sensação, passe numa
clínica ortopédica, mande engessar os dois tornozelos e tente caminhar.
Os
instrutores e os feras do esporte caminham e descem escadas como se calçassem
havaianas. O turista, sobretudo o marinheiro de primeira esquiagem, anda com
muita dificuldade.
O segundo
passo é o esqui propriamente dito. Manter-se equilibrado para prender as botas
nas ripas já é uma tremenda ginástica. Se não conseguir, não volte à loja -o
problema é você. Superada essa etapa, você deve ir para o alto de uma montanha
e tentar deslizar precipício abaixo. O que chamam de esporte está mais para
vídeocassetada.
Uma dica
para quem é pai: nunca leve seu filho para uma pista de esqui, tenha ele quatro
ou 20 anos. Não que seja perigoso. É porque ele vai humilhar você. Vai descer
com a maior facilidade e vai ficar zoando a sua cara, que estará enfiada na
neve. Aí você perde a autoridade e você terá que aumentar a mesada do moleque
pra ele parar de postar seus tombos no YouTube.
Ao fim de
uma aula, me achei apto a descer uma montanha sem a ajuda do instrutor. Cinco
metros abaixo, ouvi um "crec" num dos joelhos. Fui parar numa clínica
ortopédica. "Usted tiene un esguince", disse o médico. "O
quê?" "Un esguince", repetiu. "Esguince es tu madre! Hijo
de..."
Antes que
completasse o elogio, ele me mostrou o Google Tradutor. "Esguince"
significa "entorce". Problema de fabricação: meus joelhos não tinham
dobradiças. O ortopedista imobilizou minha perna e recomendou que eu
abandonasse o esqui. "Por dois ou três dias?", perguntei. E ele:
"Por toda la vida, mi amigo!".
Curiosamente,
reparei que a tala, em vez de comprovar que eu era uma merda no esqui, me deu
um certo respeito: só os feras se lesionam gravemente. Ganhei moral entre os
turistas e passei a dar dicas valiosas, como onde fica a clínica e quanto custa
a consulta.
A queda no
esqui não é uma questão de "se" e sim de "quando" você vai
cair. No final, descobri que a temporada de esqui pode ser considerada um
sucesso quando você chega inteiro em casa.
HELIO DE LA PEÑA é humorista, autor, ator e roteirista da TV Globo
Quando
chego na Indonésia, me sinto em casa
Um lugar
mágico, que além de ter ondas fantásticas e opções de ilhas para explorar, tem
uma energia diferente, difícil até de explicar.
A Indonésia
é a minha Disney, onde encontro uma felicidade que nenhum outro lugar me dá, um
sentimento muito além da minha compreensão. Quando chego lá, me sinto em casa.
A primeira
de minhas 11 viagens ao país foi a trabalho, em 1988 ou 1989, quando fomos
desbravar algumas de suas 17 mil ilhas. Fiquei completamente enlouquecido com
tamanha beleza e espiritualidade que o lugar tem.
O estranho
era que, à noite, eu tinha pesadelos, sentimentos muito negativos. Foi então
que resolvi ir a um templo, pedi licença e conversei com os espíritos locais. A
partir daí, acabaram-se os sonhos ruins.
Rotina não
faz parte do país, que tem várias ondas, praias, templos, massagem, passeio de
elefante, parque aquático, mergulho. Mas sou completamente apaixonado por
Uluwatu, praia no extremo sul da ilha de Bali, onde a onda muda de acordo com a
maré. Lá tenho paz interna, outro estado de consciência.
Tenho
certeza de que meus filhos, o Patrick e o Dereck, também vão se apaixonar, não
só por eles gostarem de surfar, mas por ser um lugar maravilhoso.
PAULO ZULU é modelo
Velocidade
em autoestrada parece maior que na corrida
Eu tinha
acabado de fazer 18 anos e morava na Europa. Sem grana para pegar avião, eu
fazia todos os países com um carro alugado, e não via a hora de chegar à
Alemanha para conhecer as famosas autoestradas, onde diziam que eu poderia
acelerar.
A
velocidade na estrada parece superior à de uma pista de corrida, de tanta
adrenalina que senti. É muito legal!
Você pode
andar na velocidade que quiser em um trecho, mas tem que ficar atento, porque
quando tem uma placa indicando 130 km/h, é 130, e não 135 -e os policiais são
severos na aplicação de multas.
Onde podia
acelerar, eu ia com tudo! Onde não podia, respeitava. Diferentemente de uma
corrida, onde já alcancei 368 km/h, na autoestrada não passei de 220 km/h, a
máxima que o meu carro chegou.
Mas o
motorista tem que ter noção de que as Autobahns não são pistas de corrida.
Aqueles que querem se divertir em uma estrada estão fazendo uma grande
besteira, porque ali acontecem coisas que não existem numa corrida, como carros
bem mais lentos ou um animal na pista. E é por isso que na Alemanha é permitido
entrar nos autódromos e detonar. É só pagar, assinar um termo de
responsabilidade e acelerar!
RUBENS BARRICHELLO é piloto de automobilismo
'Pensei:'se
não posso mais andar, vou voar'
Gritei e
ninguém me ouviu. Olhei as pontas dos meus pés e vi a distância a que eu estava
do chão. Estava sozinho, voando. A primeira vez que realizei um salto solo de
paraquedas foi aterrorizante --e apaixonante.
Antes do
salto, a ansiedade era enorme. Já no ar, depois que o paraquedas abriu, foi
inexplicável! Foi baixando uma paz e só consegui agradecer por estar ali. Era
um momento mágico. Somente Deus e eu.
Encantado
pelo esporte, comecei o curso de paraquedista. Foi quando me lesionei num
acidente de carro e, ainda no período de reabilitação, passei por uma médica
que foi curta e grossa ao dizer: "Você não vai voltar a andar".
Fiquei indignado. Pensei comigo mesmo: "Quem ela pensa que é pra dizer que
não vou voltar a andar? Se eu não posso andar, então eu vou voar!".
A partir
desse momento comecei a buscar maneiras para que pudesse realizar um salto
novamente. Decidi fazer um voo solo, para tentar equilibrar na minha mente a
perda da liberdade por estar numa cadeira de rodas com o extremo da liberdade
que seria estar no céu, livre e solto.
Dois anos
depois, cheguei ao solo, mais uma vez, sorrindo.
FERNANDO FERNANDES é paratleta.
Muito do
que sou hoje é reflexo dos acampamentos
Nasci
acampando. Não que minha mãe tenha dado a luz lá, mas na época meus pais já
tinham um trailer, pra onde vou desde meus primeiros meses até hoje, 34 anos
depois. Foi nos acampamentos onde tive minhas primeiras experiências da vida e
ensinamentos. Eu tinha só um ano e meio quando tive uma aventura: fui subindo
um riozinho, procurando girininhos, e me perdi. Foi só um susto, eu era um
pivetinho, um cotoco, não estava longe. Logo me acharam, mas ficou a história
pra contar.
Todo final
de semana era a mesma coisa, a gente saía de Santos, litoral paulista, e ia
parar em algum lugar do Brasil. Até que a gente parou de viajar e estacionou o
trailer num camping no interior (Araçariguama), onde ele está até hoje.
A turma dos
nossos pais tinha filhos e assim tínhamos a nossa turminha também. Todo mundo
se conhecia. Na fase dos 13 anos, assim como qualquer adolescente, começou a
rolar o papo do primeiro beijo, aquilo de "fiquei com fulana". Fui
vendo com quem tinha mais intimidade, qual era a gatinha com quem queria ter o
primeiro beijo, e marcamos um encontro num lugar escondido. Quer dizer, eu,
sempre tímido, pedi para um amigo combinar tudo com ela. Chegando lá foi aquela
coisa de se olhar por uma hora e meia até que se toma a atitude e "vamos
experimentar isso de uma vez".
Muito do
que sou hoje é reflexo da minha vivência no acampamento. Lá foi o berço dos
meus valores, onde tive grandes amizades. Com o tempo fomos parando de ir com
tanta frequência, meus irmãos foram ficando mais velhos e depois eu, com 17
anos, saí de casa para ir para a capital, onde comecei a trabalhar.
Mas acampar
ainda é parte da minha vida, é meu refúgio, onde consigo pensar relaxar. Hoje
as pessoas são mais distantes, não vão tanto pra lá, mas quando vão é "o
encontro". A última vez que fui pra lá faz um mês, onde fui ganhar colo de
mãe e rever este lugar cheio de histórias, especial demais.
PAULO VILHENA é ator
Fonte: Folha.com