Por Kathleen Anderson
Lágrimas de
agonia desceram por meu rosto enquanto segurava o puxador de um aparelho de
musculação. Era a primeira vez que eu tentava romper os limites de movimento que
me haviam sido impostos pela doença. Sentia como se todos os meus ossos
estivessem se quebrando! Quando descrevi minha luta no tratamento contra a
paralisia no ombro a uma colega, ela me disse que eu havia me colocado na
posição da crucificação. Segundo ela, a morte de Jesus na cruz foi muito
dolorosa justamente por causa da enorme pressão que estava sobre seus ombros e
sobre as partes que haviam sido perfuradas pelos cravos, as quais tinham de
sustentar, de forma antinatural, todo peso do corpo. Confesso que não me senti
muito confortável com a ideia de comparar minha aflição física ao sacrifício de
Cristo. O Filho de Deus escolheu sofrer e morrer para salvar o mundo; já eu
havia apenas enfrentado alguns problemas de saúde.
Mas, apesar
disso, a comparação me pareceu bastante elucidativa. Passei a conhecer Deus de
uma forma muito particular quando deixei de ser praticante de halterofilismo e
me tornei uma doente patética. Como cristãos, sabemos que devemos tomar a nossa
cruz e seguir o Mestre diariamente.
Mas, e quando a cruz em questão é a
falência da vesícula biliar ou uma alergia a tomates? Ora, os santos do passado
foram fervidos em óleo ou crucificados de cabeça para baixo por causa de sua
fé.
Porém, o que há de bom em ser martirizado, contra a vontade, em um corpo
fragilizado?
Eu
costumava ser forte. Quando menina, era uma corredora veloz, subia em árvores
com facilidade e gostava de fazer acrobacias. Aos 12 anos, era a melhor
saltadora da companhia de balé e pulava tão alto que ainda estava voltando ao
chão quando os demais bailarinos já começavam o salto seguinte.
Durante o
ensino médio, competi em corridas de média distância e maratonas completas. Na
faculdade, dava aulas de aeróbica e praticava levantamento de peso – e não
havia outra mulher por perto fazendo a mesma coisa. Com tanta demanda por
energia, colocar para dentro quatro pratos de comida em uma hora de refeição
contínua não era coisa rara. Eu conseguia sentir o pulsar de minha juventude e
força! Agora, porém, depois de quatro grandes cirurgias e de ter sofrido com
diversos outros problemas de saúde, levanto meu braço esquerdo com dificuldade,
tenho muitas alergias e, com frequência, tenho crises de sinusite, sono
irregular e fadiga. Quando digo aos meus alunos que já pratiquei levantamento de
pesos, eles olham para meus braços esquálidos e não escondem a descrença.
Noutros
tempos, eu costumava ser capaz de empurrar móveis e até carros estacionados.
Agora, tenho dificuldades para colocar um copo na prateleira mais alta. Antes,
gostava do cheiro da comida; hoje, sou uma chata nos restaurantes, daquelas que
interrogam o garçom acerca de cada um dos ingredientes dos pratos. Pareço ser
alguém exigente e obsessiva, mas tudo o que desejo é ter uma noite sossegada,
sem vomitar.
CONFORTO
DE DEUS
Não acredito
na imagem do Deus vingativo, irritado com meus pecados. Porém, não deixa de ser
irônico o fato de ter-me tornado incapaz de fazer as coisas de que mais
gostava. Essas disfunções físicas me tiraram a independência da qual sempre
gozei e toda a minha privacidade; sou o pedaço de carne exposto e vulnerável
sobre a mesa esperando que o cirurgião venha cravar sua faca. Não é fácil ficar
face a face com morte. Afinal de contas, não sou Deus. Por outro lado, essa
experiência de sofrimento tem aumentado minha gratidão pela presença de Deus
comigo, assim como daqueles que me têm ajudado. A enfermidade pode nos levar a
descansar plenamente, pois torna clara a conexão entre o mundo temporal e o
sobrenatural. Sim, eu já pedi a Deus que me curasse ou tirasse minha vida. Ele
não fez nenhuma das duas coisas, mas tem-me confortado de formas inexplicáveis.
Meu marido
sempre me deu o apoio necessário em meio a todos esses problemas de saúde.
Depois da cirurgia no ombro, eu acordava arfando de dor, mas ele estava sempre pronto
a reabastecer a máquina de gelo, dia e noite, além de me servir sopa e
torradas. E ainda fazia piadas comigo e mostrava convicção de que, em um futuro
próximo, eu teria meu bem-estar restaurado. Percebo o carinho de
Deus através
de médicos e enfermeiras piedosos e de outras pessoas, inclusive estranhos.
Certa vez, antes de uma cirurgia, foi levada a uma pequena sala. Aflita com a
solidão, fiquei contente com a chegada de um senhor que entrou e sentou-se ali,
como se estivesse esperando por mim. Uma enfermeira tentou fazê-lo sair,
citando as regras do hospital, mas ele se recusou terminantemente a ir embora,
alegando que lhe haviam dito que poderia ficar. Sua conversa agradável era tudo
o que eu precisava para me acalmar.
Mais
inexplicável. ainda, foi o comportamento de nossa gata durante o período em que
estive doente.
Nos momentos em que sentia dores terríveis na região abdominal,
ela se sentava sobre meu estômago, contribuindo para que eu me sentisse melhor
com o calorzinho de seu corpo. Durante minha convalescença, ela permanecia ao
meu lado, como uma espécie de guarda-costas. Depois, o bicho soube exatamente o
momento de voltar a ser desobediente, fazendo, assim, com que me levantasse e
começasse a me exercitar.
Comparando
a minha situação com o que outras pessoas enfrentam, meus problemas de saúde
podem ser classificados apenas como algumas inconveniências triviais. Uma amiga
desenvolveu uma série de problemas graves, cujos tratamentos eram conflitantes
entre si. Por causa disso, seu estado de saúde entrou em uma verdadeira
montanha-russa, alternando períodos em de melhora e momentos à beira da morte.
Suas dores eram bem maiores que as minhas e seus temores e questionamentos
também, uma vez que sua vida estava por um fio. Na última vez em que estive com
ela, ainda viva e consciente mas prestes a partir, chorei muito, mas ela me
consolou e encorajou, em vez do contrário, e disse que estava tudo bem. Minha
amiga estava certa. Ela estava “bem”, realmente, cuidando de outras pessoas até
o fim e pronta para estar com Deus.
RESTAURAÇÃO
Em sua
carta intitulada Sobre o significado cristão para o sofrimento humano, o
papa João Paulo II escreveu: “Ao trazer-nos a redenção através do sofrimento,
Cristo elevou o sofrimento humano ao nível da redenção”. Quando tomamos nossas
diferentes cruzes, imitamos o Cristo e celebramos o dom da salvação; também
tornamo-nos tornamos mais capazes de ajudarmos uns aos outros na tarefa de
carregar cruzes. Também percebemos a presença de Deus de novas maneiras,
algumas delas até pouco usuais. Gostaria de poder dizer que o quão
transformadora foi, para mim, a experiência de ter estado doente, ou de que fui
purificada dos prazeres carnais e agora estou totalmente focada nas coisas
celestiais. Mas, em vez disso, continuo obcecada por macarrão e torta e
entretenho-me com revistas de futilidades ou com um materialismo idiota.
Lastimo e murmuro, tal qual o Homem
Subterrâneo, personagem do livro Notas
do subsolo de Dostoiévsky: “Meu dente está doendo? Ótimo! Que doa ainda
mais!”. Mas espero que, pelo menos, minha empatia pelos outros tenha aumentado.
A vida é
confusa e nos presenteia com alguns obstáculos aparentemente intransponíveis –
e, em meio a nossos infernos pessoais, Deus nos envia almas caridosas que
cuidam de nós com um toque abençoador. Sou profundamente grata a essas pessoas
e quero ser a boa samaritana para muitas outras. Quanto mais dificuldades
enfrento, mais pessoas se aproximam instintivamente de mim, presenteando-me com
seu apoio e compreensão.
A
fragilidade dessa morada terrena chamada corpo humano serve para me fazer
lembrar que terei uma outra habitação, celeste, eterna, com Deus. Ele está
conosco em nossas dores, bem como no silêncio e na solidão que vêm junto com
elas. A experiência do sofrimento faz as coisas tomarem as devidas
perspectivas; as politicagens no trabalho e os desentendimentos em casa se
tornam irrelevantes. E a volta da sensação de bem-estar traz alívio em grandes
proporções, além de gratidão e uma visão mais acurada do toque criativo de
Deus. Ter a saúde restaurada é uma provinha do que será a restauração
espiritual que virá quando Deus nos unir com ele. Tenho aprendido um pouco
sobre compaixão e dependência do Senhor, ao mesmo tempo em que cada doença tem
sido uma oportunidade de me identificar de maneira ainda mais plena com o dom
sacrifical de Cristo.
Kathleen
Anderson é
professora na
Califórnia (EUA)
Fonte: Cristianismo Hoje
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