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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Escritora lista parábolas de Jesus que são mal interpretadas e diz: “Se olharmos com atenção, podemos aprender ainda mais”

Os ensinamentos de Jesus registrados nos Evangelhos são lidos e interpretados, no âmbito religioso, como fonte de sabedoria espiritual e guia de salvação. No entanto, a escritora Amy-Jill Levine propõe uma reflexão ainda mais profunda sobre o assunto, a fim de que se possa aprender ainda mais com o Filho de Deus.
“’A religião foi projetada para confortar os aflitos e afligir os confortáveis’. As parábolas de Jesus – contos com lições de moral – também foram projetadas para afligir, para nos atrair, mas nos deixa desconfortáveis. Esses ensinamentos podem ser lidos como sendo sobre o amor divino e a salvação, com certeza. Mas, os seus primeiros ouvintes – judeus do primeiro século na Galiléia e na Judéia – ouviram mensagens muito mais desafiadoras. Só quando ouvimos as parábolas como o público de Jesus fez, podemos experimentar plenamente o seu poder e nos encontramos surpresos e desafiados nos dias de hoje”, opinou a escritora, autora do livro “Short Stories by Jesus: The Enigmatic Parables of a Controversial Rabbi” (“Contos de Jesus: as enigmáticas parábolas de um rabino controverso”, em tradução livre), e professora do Novo Testamento e Estudos Judaicos das universidades Vanderbilt Divinity School e College of Arts and Sciences.
O artigo de Levine foi publicado pela CNN e propõe reflexões mais extensas e intensas sobre quatro parábolas de Jesus, pregadas ao povo judeu há mais de dois mil anos.

A “Parábola do Filho Pródigo”

“Esta parábola é geralmente visto como uma história de como o nosso ‘Pai do céu’ nos ama independentemente de como nossas ações sejam desprezíveis. Esta é uma mensagem bonita, e eu não gostaria de descartá-la. Não é, porém, o que judeus do primeiro século teriam entendido. O público judeu de Jesus já sabia que o seu ‘Pai do Céu’ sabe amar, perdoar e ser compassivo.
É Lucas que configura uma mensagem de arrependimento e de perdão. Lucas prefacia nossa parábola com duas outras parábolas mais curtas: a da ovelha perdida e da moeda perdida. O evangelista conclui-lhes: ‘Haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento’.
Mas isso é realmente isso o que as parábolas querem dizer? Jesus não estava falando sobre o pecado ovino ou ganância; As ovelhas não se sentem culpadas e moedas não se arrependem. Além disso, o homem perde as ovelhas; a mulher perde a sua moeda. Mas Deus não ‘nos perde’.
As duas primeiras parábolas não são sobre arrependimento e perdão. Eles estão prestes a contar: o pastor notou uma ovelha faltando em 100, e a mulher percebeu uma moeda faltando 10. E eles procuraram, encontraram, se alegraram e comemoraram. Ao fazer isso, eles montaram a terceira parábola.
A história do filho pródigo começa assim: ‘Havia um homem que tinha dois filhos…’ Se nos concentrarmos em um filho pródigo, nós falhamos em compreender a abertura. Cada judeu biblicamente letrado sabe que se houver dois filhos, o mais novo é mencionado primeiro: Abel antes de Caim, Isaque antes de Ismael, Jacó e Esaú, Efraim e Manassés.
Mas as parábolas nunca são do jeito que queremos. Nós não podemos nos identificar com o caçula, que ‘desperdiçou tudo o que tinha na vida dissoluta’.
Em seguida, se vemos com surpresa o fato de o pai acolher o caçula em sua casa, nós novamente falhamos em nossa interpretação. O pai simplesmente está encantado que o caçula voltou: Ele se alegra e dá uma festa. Se pararmos aqui, nós não captamos a moral da história.
O irmão mais velho – lembram dele? – ouve música e dança. Seu pai tinha tempo suficiente para contratar a banda e o fornecedor, mas ele nunca procurou seu filho mais velho. Ele tinha dois filhos, e ele não contava.
Nossa parábola é menos sobre perdão e mais sobre a importância, e faz com que todos sejam vistos assim. A quem nós perdemos? Se não contar, pode ser tarde demais”.

A “Parábola do Bom Samaritano”

“Nosso entendimento usual desta famosa história se perde de várias maneiras. Aqui estão duas.
Em primeiro lugar, os leitores presumem que o sacerdote e o levita ignoram o andarilho ferido porque eles estão tentando evitar tornar-se ‘impuro’. Não faz sentido. Essa interpretação não faria a lei judaica soar má. Na parábola, o pregador não está subindo para Jerusalém, onde a pureza seria uma preocupação, ele está ‘descendo’ para Jericó.
Nenhuma lei impede os levitas de tocar em cadáveres, e há inúmeras outras razões pelas quais a pureza ritual não é relevante aqui. Jesus menciona o sacerdote e o levita porque eles representam uma terceira categoria: os israelitas. Para citar os dois primeiros é preciso invocar o terceiro.
Se eu disser: ‘Pedro, Tiago e João…’ você provavelmente vai completar com ‘…no barquinho’. No entanto, para entender a contraposição que seria feita com o samaritano, era preciso situar os ouvintes sobre quem os religiosos representavam.
Essa analogia nos leva à segunda leitura errada. A parábola é muitas vezes vista como uma história de como a minoria oprimida – imigrantes, gays, pessoas em liberdade condicional – são ‘boas’ e, portanto, devemos verificar os nossos preconceitos. Samaritanos, então, não eram a minoria oprimida: eles eram o inimigo. Sabemos que isso não é relatado apenas pelos historiadores, mas também por Lucas, o evangelista.
Apenas um capítulo antes de nossa parábola, Jesus procura hospedagem em uma aldeia samaritana, mas eles se recusam a recebê-lo. Além disso, Samaria tinha outro nome: Siquém. Em Siquém, a filha de Jacó é estuprada ou seduzida pelo príncipe local. Em Siquém, o juiz assassino Abimeleque se refugia.
Nesse contexto, se somos a pessoa que está na vala, e vemos o samaritano, nosso primeiro pensamento é que o samaritano ‘vai nos estuprar, nos matar’. Então percebemos: Nosso inimigo pode ser a pessoa que vai nos salvar. Na verdade, se nós simplesmente perguntarmos ‘onde está Samaria hoje?’, podemos ver a importância dessa parábola para a crise israel/palestina”.

A “Parábola dos trabalhadores da vinha”

“Esta parábola conta a história de uma série de trabalhadores que começam a trabalhar em diversos horários do dia, mas o proprietário os paga o mesmo valor. A parábola é, por vezes, lida com uma lente anti-judaica, de modo que os primeiros contratados são os ‘judeus’ que se ressentem dos gentios ou pecadores que entram na vinha de Deus. Novamente, não faz sentido.
Os primeiros ouvintes de Jesus não ouviam uma parábola sobre a salvação em vida após a morte, mas sobre a economia no presente. Eles ouviram uma lição sobre como os empregados devem falar em nome daqueles que não têm um salário diário.
Eles também descobriram um aviso para as pessoas com recursos: dividam com aqueles que não têm emprego, e garantam que todos tenham o que é necessário. Jesus não inventou essa idéia de defesa dos desempregados e de partilha de recursos. As mesmas preocupações ocorrem na tradição judaica do rei Davi em diante. Mas, a menos que saibamos as fontes bíblicas e históricas, mais uma vez, vamos entender mal a parábola”.

A “Parábola da Pérola de Grande Valor”

“Esta parábola descreve um homem que vende de tudo, a fim de obter a sua pérola valorizada. Geralmente nos é contada como uma alegoria que quer nos ensinar sobre a centralidade da fé, ou a igreja, ou Jesus, ou o Reino dos Céus.
Mas os comentaristas não conseguem concluir o que a pérola representa. Talvez eles estejam procurando no lugar errado. Nós não reconhecemos o absurdo inicial da parábola hoje – o comerciante (um atacadista que nos vende o que não precisamos a um preço que não podemos pagar) vende tudo o que tem por uma pérola.
Ele não pode comê-la, ou sentar-se nela; ele não vai cobrir muito de seu corpo se usar somente a pérola. Mas, ele acha que esta pérola irá satisfazê-lo.
E se a parábola nos desafia a determinar nossa própria pérola de grande valor? Se sabemos qual é a nossa última preocupação, devemos ser menos gananciosos. Não vamos suar as pequenas coisas.
Mais: nós nos tornamos mais capazes de amar o nosso próximo, porque nós sabemos o que é mais importante para eles.
Os contos de Jesus provocam-nos, porque eles nos dizem que, de alguma forma, já sabemos qual é a verdade, mas não queremos reconhecê-la. Eu não sou cristã, mas eu ouço as mensagens profundas nessas parábolas. Se eu como uma pessoa de foram que pode ser tão comovida com as histórias de Jesus, e certamente as pessoas que o adoram como Senhor e Salvador pode apreciá-los ainda mais”.

Fonte: Gospel Mais

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